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Cultura

O JARDIM DOS INCAUTOS E A TRAGÉDIA NOSSA DE TODOS OS DIAS

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Texto: Valderi Duarte*

O jornalista, poeta e historiador Chico Castro lança nesta quarta-feira (03.04.2024), às 19 h, na  Entrelivros Livraria (Av. Dom Severino, 1045 – Fátima, Teresina/PI) o seu décimo quarto livro que tem como título  Médici, O Jardim dos Gafanhotos (Editora FCC , 140 páginas, Teresina/PI, também disponível no formato e-book, site Amazon).

Personagem bastante conhecido no meio cultural teresinense, Chico Castro começou sua trajetória literária em meados dos anos 70, no bojo da geração mimeógrafo, com o livro de poemas Camisa Aberta Outros Astrais (1976). Posteriormente lançou outros livros de poesias e chegou a se aventurar na crítica literária publicando os ensaios O Elixir da Felicidade (Editora Zodíaco – Teresina 2000) e  As travessuras de Mamulengo ( Grafiset – Teresina 2002) onde discorre, respectivamente, sobre a obra dos poetas Hardy Filho e Paulo Machado, dois  expoentes da poesia piauiense contemporânea.

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Nos últimos anos, o autor tem se dedicado à pesquisa histórica estudando e escrevendo livros sobre fatos marcantes da história do Brasil e do Piauí em particular. Neste sentido se destacam A Coluna Prestes no Piauí (Editora do Senado Federal – Brasília 2007), A Noite das Garrafadas (Editora do Senado Federal – Brasília 2013), que versa sobre a abdicação de D Pedro I, e João Goulart, O Tabu da Ditadura, último livro do autor, publicado pela editora Nova Aliança em 2015.

Quanto ao livro que o autor nos apresenta agora, vale observar que o mesmo prossegue com seu escrutínio investigatório de fatos e personagens relevantes do nosso passado histórico. Graduado em Letras pela UFPI e pós-graduado em literatura brasileira na PUC/RJ, além de jornalista de ofício,  Chico Castro se utiliza da linguagem fácil e objetiva praticada na imprensa para escrever sobre temas complexos e com isso atingir o mais mortal dos leitores, fugindo assim do  academicismo que povoa as teses universitárias, que limita o acesso aos menos eruditos.

Este Médici, O Jardim dos Gafanhotos, centra atenção na ditadura militar e seus generais/presidentes que governaram o Brasil recente por tenebrosos 21 anos, entre 1964 e 1985. Foca principalmente no governo e na pessoa do general Emílio Garrastazu Médici, nominado na alegoria, utilizada pelo autor para descrever a ascensão e a derrocada do regime militar, como “O Grande Gafanhoto”.

O autor se vale de uma tese que, se não original, é pouco usual na abordagem do período em questão. Para ele, o golpe que levou os militares ao poder em 31 de março de 1964 foi engendrado por uma elite civil que sempre agiu nas sombras, formada principalmente por representantes de grandes corporações do mercado financeiro nacional e internacional, assim como industriais, empresários e políticos, além de setores da imprensa e até intelectuais e religiosos. “A verdade é que o Brasil é controlado por sociedades secretas que dominam o establishment do país “, afirma o autor já na página 16, para concluir adiante citando o Marechal Castelo Branco (primeiro presidente do regime militar e protagonista-mor do capítulo A Larva do Gafanhoto, na alegoria usada pelo autor) que gostava de dizer que são “as vivandeiras alvoraçadas” – civis que batem nos portões dos quartéis para “causar extravagâncias ao poder militar”.

O livro se divide em três capítulos (A Larva do Gafanhoto, O Gafanhoto e O Grande Gafanhoto), cada um dedicado aos três primeiros presidentes da ditadura militar instalada em 64. Na primeira parte o autor retrocede na história política brasileira para mostrar que essa prática já é antiga. Essa elite civil (agindo na invisibilidade) sempre instrumentalizou os militares nos momentos decisivos da vida pública do nosso país. Foi assim nas crises institucionais que levou à abdicação precoce de D. Pedro I, no golpe que proclamou a república em 1899, na subida de Getúlio Vargas ao poder nos anos 30 dizimando a república velha, na agitação política que culminou com o mesmo Vargas se suicidando no exercício do cargo em 1954 e, finalmente, na  pseudo revolução militar de 1964.  

O Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, dos presidentes militares o único que possuía  algum estofo intelectual, foi escolhido e assumiu o pós-golpe na ingênua ilusão de que livraria o Brasil da ameaça comunista (personificada no governo reformista do até então presidente João Goulart e no avanço organizacional das entidades trabalhistas), assegurando portanto a normalidade democrática que se consolidaria com as eleições vindouras de 1965. Não foi bem assim. Passados os primeiros anos da “revolução”, organizações e alguns partidos de esquerda resolveram resistir e partir para a luta armada. Políticos que apoiaram o golpe (alguns integrantes dessa mesma elite conspiratória) se sentiram contrariados e acabaram cassados, não houve eleições para presidente em 1965 e a ditadura começou a se mostrar frustrante. Aliado a isso, a situação econômica do país, que já vinha ruim desde antes do golpe, piorou. Estava então criadas as condições para entrada em cena do segundo presidente da ditadura militar, “O Gafanhoto “.

O general Arthur da Costa e Silva assumiu a presidência dentro deste contexto de frustação social com o movimento de 64, que resultou numa fissura interna dentro das próprias Forças Armadas. Acabou sendo o escolhido pela linha dura de seus pares. Tinha um perfil que se assemelhava mais a um sargento do que a um general. No livro o autor o define assim: “Costa e Silva era um desconhecido do mundo social e protocolar. Era visto como um ignorante em relação à esfera pública da sociedade. O domínio que tinha no âmbito da política não passava de dois palmos do seu nariz” (página 48). O general fez um governo breve, tendo sido acometido de uma trombose cerebral que o incapacitou para o exercício do cargo. Governou de 15 de março de 1967 até o começo do segundo semestre de 1969. Morreu deixando como legado o aprimoramento das ferramentas jurídicas adotadas pela ditadura para endurecer o regime e punir os adversários, tendo sido o maior deles o famigerado Ato Institucional número cinco (AI-5), que dentre outras medidas acabava com o habeas corpus e as garantias individuais do cidadão. Surge então O Grande Gafanhoto, o general Médici com sua sanha destruidora, que é associada e este inseto desde os tempos bíblicos.

Logo no início do último capítulo o ensaista sintetiza as circunstâncias sob as quais o terceiro presidente militar assumiu o poder.  “ Médici governou como um rei absolutista” … “ Assumiu a presidência com o danoso AI-5 debaixo do braço e com a constituição ao seus pés” (página 61). Como todo militar, Médici era considerado inepto para a administração pública a partir da sua própria formação acadêmica. Teve porém consciência para discernir que, apesar de consentida, os militares acabaram por cair numa espécie de “armadilha” em 64. Restou-lhe então fazer o que sabia, adotando a premissa de que  naquela altura ou a “revolução” eliminava literalmente seus adversários ou  acabaria sucumbindo sem alcançar seus propósitos. Fez isso. Instituiu o que o autor chama de “terrorismo de estado”, reprimindo, censurando, cassando, torturando e matando todos os que se opunham aos seus objetivos, o que resultou no mais sanguinário e cruel período da nossa história política recente. No livro Chico Castro rememora fatos conhecidos como a morte do estudante Stuart Angel e lança luz sobre episódios pouco explorados como o caso Para-Sar e a existência de sociedades secretas como a Bucha (Bruschenschaft) na execução da repressão instituída.

Na tentativa desesperada de salvar a “cara dos militares” Médici alçou mão de outro artifício danoso para iludir a população.  Com a ajuda de economistas tecnocratas (da elite sombria de sempre) criou um suposto plano desenvolvimentista para vender a imagem de um Brasil País do Futuro, apelando para o endividamento externo e a execução de grandes obras públicas. Através da mídia cooptada popularizou slogan como “Esse é um País que vai pra Frente”, “ Brasil, Ame-o ou Deixe-o” e “Exportar é o que Importa”, dentre outros. Não deu certo. No livro o autor, apesar de não ser expert em economia, desfia dados e análises macro físicas que exemplifica o fracasso deste embuste. Baseia-se em dados compilados de instituições de credibilidade como a FGV, Arquivo Nacional e SNI dentre outras, além de notícias e reportagens da imprensa da época. O resultado é que aparentemente o “milagre econômico” se fez, a economia cresceu por um curto período, com o PIB chegando a 10%  em um ano, mas na hora de dividir o “bolo”  constatou-se que aos ricos foi dado tudo e aos pobres sobrou as migalhas de sempre. Aumentou assim a desigualdade social que impera até hoje no nosso país.

O governo Médici foi um ponto de inflexão da ditadura militar em todos os sentidos. O governante passou para história como uma figura abjeta, tóxica, rejeitado tanto pela esquerda como pela direita até os dias de hoje. Seus sucessores, os também generais/gafanhotos Ernesto Geisel e João Figueredo, quase ignorados nesta alegoria trágica que nos traz o autor deste livro 60 anos depois do fatídico 31 de março de 1964, se limitaram apenas a preparar a saída de cena dos militares. Geisel com sua abertura “lenta segura e gradual” e Figueiredo avalizando a “anistia ampla geral e irrestrita”, que equiparou torturadores a torturados. Com efeito, apesar das possíveis restrições que por ventura se levantem contra a tese de Chico Castro, é salutar ter sempre em mente o final do último parágrafo com o qual ele encerra seu livro: “E a verdade permanecerá refém do engano sempre que estiver encoberta pelo manto do silêncio. A ditadura não caiu do céu“.

*Valderi Duarte – Engenheiro e Cineasta

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